Corporeidade, Saúde e Educação: conexões com natureza e cultura
“Fomos, durante muito tempo, embalados com a história de que somos a humanidade e nos alienamos desse organismo de que somos parte, a Terra, passando a pensar que ele é uma coisa e nós, outra: a Terra e a humanidade. Eu não percebo que exista algo que não seja natureza. Tudo é natureza. O cosmos é natureza. Tudo em que eu consigo pensar é natureza” (Airton Krenak, 2020).
Introdução e contexto no currículo
O curso de Fisioterapia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) foi criado em 2009, e tem duração de cinco anos. Dentre os objetivos do curso, destacamos o interesse de proporcionar aos estudantes uma abordagem ampliada do processo saúde-doença e uma atuação em diferentes níveis do cuidado. A ideia é trabalhar junto aos estudantes um entendimento de atenção integral à saúde.
A disciplina Corporeidade, Saúde e Educação, que será comentada neste relato, é ofertada no primeiro semestre do curso e está estruturada em 18 encontros de quatro períodos semanais. O objetivo da disciplina é apresentar aos estudantes diferentes dimensões do estudo do corpo no contexto de formação do profissional da saúde e fornecer vivências corporais diversificadas que estimulem uma reflexão entre teoria e prática, o desenvolvimento da percepção corporal e o papel do relacionamento interpessoal no cuidado em saúde.
No transcorrer do semestre são trabalhados oito textos que abordam questões relacionadas às diferentes referenciais e dimensões da corporeidade (biológica, fenomenológica, psicológica, cultural, social e política) e como diferentes visões sobre o corpo interferem nos entendimentos que temos sobre educação e promoção da saúde, diversidade funcional e cuidados em saúde. A estrutura de base das aulas conta com:
- práticas corporais em que são realizados movimentos para explorar e perceber as estruturas corporais, alongar musculaturas e mobilizar articulações, assim como relaxar e meditar;
- apresentações e discussões dos textos que abordam elementos relevantes para pensar corporeidade, saúde e educação e
- dinâmicas corporais que dialoguem com o tema discutido a partir do texto selecionado para a aula, as quais envolvem elementos diversos como dança, jogos, brincadeiras, massagens, sustentação do olhar, percepção do espaço, esquetes.
Algumas aulas seguem outras configurações, envolvendo atividades fora da sala de aula, escuta dos estudantes em rodas de conversa, avaliações em que são os estudantes que propõem dinâmicas corporais para os colegas e a preparação de uma ação síntese da turma que compõe a atividade de encerramento da disciplina. Na ação síntese, os estudantes montam uma apresentação para professores e veteranos do que foi mais marcante na disciplina que pode incluir diferentes elementos artísticos (textuais, teatrais, musicais). Os alunos também desenvolvem duas escritas reflexivas, nas quais são convidados a integrar conceitos abordados nos textos lidos durantes a disciplinas com experiências pessoais e a formação em Fisioterapia.
Adriane Vieira (PT, PhD)
Professora associada do departamento de Educação Física, Fisioterapia e Dança da UFRGS, Brazil
Dra. Adriane Vieira atua nas áreas de saúde coletiva, promoção da saúde e estratégias de tratamento para pessoas com dores crônica.
Jair Felipe Bonatto Umann (PhD)
Professor associado do departamento de Educação Física, Fisioterapia e Dança da UFRGS, Brazil
Dr. Felipe Bonatto Umann atua nas áreas de dança, culturas populares e estudos transpessoais.
Corporeidade e Saúde planetária
No transcorrer dos anos, algumas adaptações foram feitas na disciplina de Corporeidade, Saúde e Educação. A participação junto a Environmental Physiotherapy Agenda 2023 foi um estímulo para algumas adaptações do módulo de educação e promoção da saúde. A partir de 2022, passamos a dedicar três manhãs para discussões e vivências que enfatizam questões relacionadas à saúde planetária e aos cuidados com meio ambiente. A primeira aula destinada a essa temática acontece no Jardim Botânico da cidade.
Neste encontro, fazemos incialmente uma caminhada pelo parque, em alguns momentos conversando e em outros mantendo o silêncio em um exercício de contemplação dos sons, cheiros e cores da natureza. Na sequência, recebemos o professor Jair Felipe Bonatto Umann do Curso de Dança. Aproveitamos esse encontro com o professor Jair para imergirmos nos temas meio ambiente, corpo e cultura por meio de vivências de musicalidades, poesias e danças de culturas populares e de povos originários do Brasil em meio ao gramado e as árvores, lembrando da experiência de sermos natureza. Esse encontro é encerrado com um piquenique.
Na segunda aula, a qual mantem a estrutura de base das aulas da disciplina, todos os estudantes leem e destacam pontos relevantes do texto Saúde Global e Saúde Planetária: perspectivas para uma transição para um mundo mais sustentável pós COVID-19 (Di Giulio et al., 2020). Um grupo de estudantes fica responsável por montar uma apresentação do texto para a turma. Nos slides da apresentação do trabalho, os alunos devem utilizar cinco imagens em um conjunto de 60 imagens disponibilizadas no início do semestre sobre corporeidade, saúde e educação. A proposta é que relacionem o texto disponibilizado para discussão em sala de aula, com as imagens selecionadas pelo grupo e a atividade desenvolvida anteriormente do Jardim Botânico. Após a apresentação, fazemos uma roda de conversa para que todos os alunos comentem sobre a apresentação dos colegas e destaquem o que lhes chamou a atenção durante a leitura do texto apresentado.
Na terceira aula, os alunos recebem o programa “SustentAÇÃO” criado em 2016 por professores, técnicos administrativos e estudantes do Campus Olímpico, onde estão alocados os cursos de Fisioterapia, Educação Física e Dança. O objetivo do programa é desenvolver ações em sustentabilidade, conscientização sobre as mudanças climáticas, educação ambiental, sociobiodiversidade e permacultura. Nesta aula, após uma conversa sobre as propostas e ações do programa, os alunos fazem uma caminhada pela área verde do Campus. Nesta caminhada, os estudantes conhecem pontos de reciclagem de material e de compostagem, nichos de convivência entre as árvores e características da flora. Durante a caminhada, os estudantes são convidados a ir coletando resíduos que ficam depositado no solo para conscientizá-los sobre a necessidade de estarmos mais atentos ao descarte de resíduos.
Avaliação e percepções dos alunos sobre o módulo de saúde planetária
O módulo de educação e promoção da saúde e sua interação com discussões teóricas junto a atividades práticas, envolvendo temas relacionados à saúde planetária e aos cuidados com meio ambiente, tem sido bem avaliados pelos estudantes da disciplina. Na aula de discussão sobre o texto de Di Giulio et al (2020), os estudantes têm destacada elementos relacionados aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e à Carta de Ottawa, além de trazerem elementos críticos em relação à lógica capitalista, ao impacto das ações humanas sobre o meio ambiente e à grande desigualdade de oportunidades e condições de acesso a saúde entre as pessoas no Brasil.
Mesmo que não seja uma exigência da escrita reflexiva (os estudantes podem escolher dois dos oito textos para cada uma das escritas), a abordagem de temas vinculados à saúde planetária e meio ambiente tem se mostrado presente tanto em reflexões que envolvem experiências pessoais quanto a atuação dos profissionais da saúde. Os efeitos da pandemia pelo SARS-CoV-2 em suas experiências de vida são temas bastante comentado pelos estudantes, provavelmente pela proximidade do evento em suas vidas, mas também por ser um elemento central do texto escolhido para debate na disciplina.
Para finalizar, gostaríamos de destacar que em uma avaliação mais geral do currículo do curso, entendemos que ainda há muito a melhorar na contextualização destas temáticas. As questões relacionadas ao meio ambiente e a uma discussão mais ampla sobre saúde planetária precisam ser desenvolvidas e retomados em outros momentos da trajetória do estudante dentro da sua formação. Outro ponto relevante é que a presença de estudantes indígenas no curso tem nos convidado a incluir de uma forma mais aprofundada uma discussão sobre a saúde da população indígena, assim como um maior envolvimento com saberes relevantes de suas culturas no cuidado em saúde e em sua relação com a natureza e o meio ambiente.
Referências
Di Giulio, Gabriela Marques et al. Saúde Global e Saúde Planetária: perspectivas para uma transição para um mundo mais sustentável pós COVID-19. Publicado na revista Ciência & Saúde Coletiva, 26(10):4373-4382, 2021.
Programa de Extensão Sustentação, Instagram: @sustentacao_esefid_ufrgs/
Krenak, Ailton. O amanhã não está à venda. São Paulo: Cia das Letras, 2020.
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